sábado, 7 de maio de 2011

TERCEIRIZAÇÃO DA SAUDE PUBLICA E O APARTHEID SOCIAL, MAIS UM EXEMPLO



O Jornal Folha de São Paulo em sua edição do dia 7 de maio, publicou matéria sobre a terceirização no Hospital das Clínicas vinculado a USP. A jornalista da Folha acompanhou a diferença de tratamento que é dada a quem depende exclusivamente do SUS e aos pacientes de Convênios. As diferenças são abismais. Já denunciamos em outros textos o apartheid  no tratamento quando um equipamento público passa a atender aos Convênios. Leiam a reportagem da Folha abaixo:

No HC, paciente com plano de saúde é VIP Enquanto os clientes com convênios médicos são rapidamente atendidos, os pacientes do SUS enfrentam filasAnúncio de que hospital quadruplicará serviços prestados a convênios preocupa pessoas que não têm plano de saúde

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

LUCCA ROSSI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Você chega por uma alameda arborizada, entra em um prédio limpo, bem iluminado, com funcionárias gentis em uniformes impecáveis.
Sentado em confortável cadeira anatômica, você olha para a figueira secular em um jardim interno decorado em estilo oriental. Com atraso de 25 minutos, o médico, um professor da prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, chama-o para a consulta.
Não, não se trata do hospital Sírio-Libanês, do Albert Einstein ou congênere. O hospital top de linha descrito é o símbolo da medicina pública paulista, o Hospital das Clínicas, na zona oeste de SP.
Esse pedaço do HC, na rua Doutor Ovidio Pires de Campos, atende a doentes com planos de saúde. Na fachada do prédio, lê-se: "Central de Convênios". Ali não é lugar para gratuidades.Na porta do Instituto de Ortopedia e Traumatologia, que fica na mesma rua da Central de Convênios, acontece o seguinte diálogo:"Eu gostaria de passar por uma consulta. Dor na coluna." A moça na portaria indaga: "Onde a senhora mora?".
"Pinheiros."
"Tem encaminhamento? Passou pela UBS [posto de saúde] antes? Não? Então não tem jeito. Sem encaminhamento, não tem como ser atendido."
"Mas não tem atendimento para plano de saúde?"
"A senhora tem plano? Por que não disse antes? É só subir ao primeiro andar."
Dez minutos depois, a paciente sai do prédio com a consulta marcada para o dia 1º de junho, às 14h30, em um ambulatório que serve exclusivamente aos convênios
.
No setor destinado ao SUS (térreo do mesmo prédio), lotado na quinta-feira, a paciente I., desempregada, 60 anos, portadora de múltiplos tumores ósseos, é uma entre mais de cem pessoas a esperar sua consulta. I. conta que já teve de aguardar um ano por uma ressonância magnética. Resultado do exame nas mãos, esperou mais seis meses pela consulta.No setor de convênios, tudo voa. A paciente pergunta ao atendente quanto tempo teria de esperar entre uma indicação de cirurgia e a operação propriamente dita. Resposta: "No máximo, 15 dias."Os pacientes SUS estão apreensivos com o anúncio feito pelo superintendente do HC, Marcos Fumio Koyama, de que quadruplicará nos próximos quatro anos o número de serviços prestados a convênios. Hoje, 3% dos atendimentos são vendidos aos planos. A previsão é atingir 12%.
Para a enfermeira aposentada M., 60, com diverticulite (inflamação na alça do intestino), "os planos de saúde já dispõem de mordomias demais no HC. Não é justo pacientes que só contam com o SUS terem de esperar enquanto doentes com convênios, com todas as opções que têm, passam na frente".A Folha testou, na última terça-feira, os prazos para marcação de consultas no setor de convênios.
Dor no joelho? Consulta dali a três dias. Ansiedade? Consulta com psiquiatra geral seis dias depois. Uma tomografia de tórax? O Instituto de Radiologia providencia em três dias.

Fonte: Folha de S.Paulo/07/5/2011. Caderno cotidiano.